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"... a Fada Morgana não se casou, mas foi mandada á escola, num convento, onde se tornou uma grande senhora da magia." - Malory, Morte d'Artur
Assim começa o primeiro livro de uma das sagas mais épicas que já li. Recordo-me que, aos 10, 11 anos, o interesse aflorou devido a um motivo pouco relevante: o desejo de ler algo que minha mãe também havia lido. Pois bem, agora, aos meus 14 anos, estou relendo essa história. Naquela época, a complexidade da narrativa me deixou estonteado: entendia pouca coisa, mas não conseguia parar de ler. Hoje, mais maduro e consciente, apenas reafirmo minha ideia: de que Marion Zimmer tem um talento excepcional, e que a lenda de Artur pode ter sim vertentes sagazes e imemoriais.
A trama se passa na atual França, numa região conhecida como Bretanha, na época em que o cristianismo começa a se expandir na Europa. Observação importante: por ser uma história que se passa há muitos séculos, naturalmente, certos costumes são bem diferenciados dos nossos. Entender isso é importante para que o enredo possa ser compreendido.
O livro é dividido em duas partes: na primeira, Igraine é a protagonista, uma mulher casada com Gorlois, Duque da Cornualha. Ela foi obrigada a casar-se com cerca de 15 anos por ordem de Viviane, sua meia-irmã e Senhora de Avalon. Igraine mora em Tintagel, um castelo localizado num promontório sombrio e enevoado, juntamente com Morgause, sua meia-irmã, e Morgana, sua filha. Como característica do resto dos livros, o destaque não é o enredo ou os acontecimentos, e sim, os sentimentos e sensações que as personagens vivenciam ao longo da explanação: Igraine é profundamente infeliz com Gorlois e sente-se usada por Viviane.
Na segunda parte, vemos o nascimento de Artur e o crescimento de Morgana como sacerdotisa em Avalon. Lá, o foco é na relação de "amor e ódio" com sua tia, Viviane. Além disso, os ideais e rituais pagãos são descritos de modo mais minucioso nessa parcela da história.
A série funciona com alternações de narradores, assim, conseguimos perceber pontos de vistas distintos. Tais contadores são apenas personagens mulheres, numa clara acepção feminista, afinal, aquela época era marcada pelo machismo e a submissão da mulher ao homem, fruto da cultura romana.
A trama não é exatamente ágil: tudo é esmiuçado, cada pensamento, cada impressão. Para alguns, isso tornou a história cansativa. Eu, pelo menos, amei esse detalhamento. Os diálogos são quase sempre carregados de inteligência, mas o melhor é o que está no fundo de cada pessoa: o livro retrata fortemente a experiência da vida humana, embaulada de insatisfação, busca de interesses próprios e momentos altruístas. As personagens têm um desenvolvimento ímpar, revelando a verdadeira tridimensionalidade inerente a todo ser humano.
Outro fator extremamente marcante na história é o impacto da chegada do cristianismo com as antigas religiões druidas. Uma nova visão nos é apresentada, mostrando o que havia antes do florescimento do ideal cristão. E não era algo ruim, como diz a crença coletiva. O paganismo oferece uma visão mais espiritualizada da vida, com elementos esotéricos e mágicos, considerados como "obra do demônio", de acordo com os padres da época. Assim, vemos a Igreja não como uma instituição de auxílio espiritual, e sim, um Estado que conseguiu ganhar força através de seus dogmas, em detrimento de outras religiões.
Aborto, homossexualidade, incesto e adultério são alguns dos assuntos tratados na história. Como já dito, o livro nos oferece outra visão diante dessas situações, fora dos padrões cristãos tão arraigados em nosso pensamento. Sexo, feitiçaria, guerra, tudo remete-nos a uma época totalmente fascinante.
Como já perceberam, o livro merece minha aclamação em muitos sentidos. Porém, o que deixou a desejar é algo menos expressivo: as folhas são brancas e as letras, pequenas demais. Não achei isso algo problemático, mas há pessoas que odeiam obras assim. A capa é simplória, nada que deva receber críticas ou elogios.
Enfim, se ler esse livro, tenha a certeza de carregar ele na memória por toda sua vida. Complexo, com personagens emblemáticos, ambicioso e visionário, "As Brumas de Avalon" oferece uma grande viagem através de tempos há muito esquecidos, trazendo á tona reflexões acerca do sentido de nossos destinos e ideais.
Avaliação no Skoob: 4,2 de 5.
Nota final: 4,5 de 5.
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